domingo, 30 de agosto de 2009

A pintura: O fim ou o infinito?


Pintura de Paulo Whitaker. Sem Título, 2007, óleo sobre tela, 190 x 277 cm.


Texto de Divino Sobral

Há muito se debate a finitude dos recursos, a saturação do repertório e a falta de sentido da pintura no contexto da arte contemporânea. Diante do surgimento das possibilidades de pesquisas de novas linguagens de natureza experimental descompromissadas com o aparato da tradição artística, das novas tecnologias da imagem que evoluíram aceleradamente, da para-visualidade que postulava ser a ação, o processo e o conceito, elementos com primazia em relação à forma e à plasticidade do trabalho, enfim, diante do campo ampliado da arte, artistas e pensadores inúmeras vezes anunciaram o esgotamento das potencialidades expressivas da pintura acompanhado da vontade de repelir as classificações tradicionais de categorias e de gêneros.

Entretanto, sua prática tem sobrevivido aos muitos decretos de falência que lhe têm sido impingidos em momentos críticos, e pintores têm trabalhado subterraneamente produzindo obras que manifestam vitalidade relevante ao quadro de indagações atuais.

Ferreira Gullar na Teoria do Não-Objeto (1960), afirmava que “a pintura é um mundo conceituado, que é preciso ultrapassar”, e Hélio Oiticica na apresentação do catálogo da mostra Nova Objetividade Brasileira (1967) colocava como um dos tópicos eminentes da produção o problema da “negação e superação do quadro de cavalete”. Dos anos 1960 para os 1970, miríades de novas linguagens foram empregadas, e o desenvolvimento desses campos concentrou o interesse dos artistas e das instituições mais comprometidas com o experimentalismo, o que empurrou a pintura para uma posição periférica.

A pintura era artística, contemplativa e retiniana demais para um ambiente interessado em antiarte, participação do espectador e conceito. Os decretos de falência da pintura perduraram claramente tanto no abandono por parte dos artistas que surgiram na década seguinte, quanto no conteúdo dos textos produzidos pelos críticos. A década de 1970 foi marcada pelo processo de desmaterialização do objeto artístico, por trabalhos que conduziam à pergunta “Isto é arte?”. Naquele momento Frederico Morais disse que “o artista não é o que realiza obras dadas à contemplação” e que “A obra acabou”.

Após longo período, o investimento na prática da pintura voltou a ser incentivado durante o início dos anos 1980. Os diagnósticos terminais foram revogados; e, de outra forma, sua capacidade de revigoramento foi difundida como infinita. A exposição “Como vai você, Geração 80?” (Rio de Janeiro,1984) sintetizou o momento de afirmação da nova pintura brasileira congregando uma pluralidade de comportamentos plásticos que propunham no trabalho de arte a retomada das questões da estética, da fruição, da contemplação, da figuração, do prazer retiniano, da plasticidade decorativa e do agregamento de imagens as mais diversas.

Nos anos 1990, a cena passou a não priorizar mais uma linguagem específica e as pesquisas tridimensionais, juntamente com a fotografia e o vídeo, ganharam mais adeptos. O foco foi centrado na diversidade de linguagens, técnicas e poéticas, e enfim, os procedimentos artísticos tradicionais puderam conviver pacificamente com outros mais experimentais ou de natureza tecnológica. As curadorias não buscavam discriminar as especificidades de meios ou linguagens, mas, sim, estabelecer relações semânticas entre obras com suportes e mídias as mais heterogêneas. O tema, o assunto e a narrativa reencontraram possibilidades de inserção e o conteúdo da obra voltou a importar. Os artistas que surgiram nesses anos desenvolveram pesquisas, muitas vezes sincrônicas, em diferentes áreas plásticas, e assim desmistificaram a implicação de que um meio supera e suprime o outro.

No conjunto da pintura contemporânea brasileira encontramos pletoras de encaminhamentos, seja do ponto de vista da genealogia e da formação do repertório, seja do ponto de vista formal, técnico, relacionado aos procedimentos e à fatura, seja do ponto de vista das poéticas. Esse conjunto é multifacetado, com obras de artistas de muitas gerações. Dos pintores de extração geométrica, passando por artistas com o olhar dirigido à iconografia da história, aos que dialogam com as imagens prontas industriais ou artesanais, àqueles que recuperam o arcaico e o popular; do abstrato, formal, até o figurativo, narrativo, muitos caminhos se bifurcam...

O exercício pictórico, hoje, não se encontra mais subjugado pelo estigma da falência – as assertivas que enterraram a pintura fracassaram em seus veredictos – mas, também não está colocado no centro das atenções. Participa de exposições juntamente com outras técnicas e linguagens, sem que grande estardalhaço seja promovido à sua volta.

É um exercício silencioso, ainda recluso, difícil de ser produzido porque é executado com operações cujas fórmulas já foram bastante empregadas. Difícil porque o embate do sujeito com materiais, técnicas e repertórios, com sua história existencial e com a Instituição Arte, o diálogo entre a pintura e a fotografia, o confronto do real com a autonomia dos meios, a escassa inserção pública da arte constituem um amplo leque de problemas que os pintores tentam eqüalizar durante a conformação de cada trabalho.

A pintura tendo atravessado meio século de uma história de crises e de ataques, que decretaram sua finitude, logrou permanecer no rol das linguagens artísticas e a fazer a travessia da alta modernidade: a passagem dos séculos XX ao XXI. Isto foi possível por meio do trabalho de pintores que souberam reinventar a pintura e suscitar reflexões sobre sua potencialidade para se renovar e se ampliar no espaço e no tempo.

Este texto foi originalmente publicado no Jornal Número 9, Programa Cultura e Pensamento 2006, São Paulo, dezembro de 2006.

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