domingo, 30 de agosto de 2009

No ato mesmo de desenhar - Fabiano Gonper


Desenho de Fabiano Gonper. 2008.

No ato mesmo de desenhar

No ato mesmo de desenhar,
A fome do papel devora o lápis,
E o desenhista devora imagens.

Desenho vazio.
Sobra e silhueta.
Contorno no silencioso e inquieto branco.
Sombra ao avesso.


O desenho devolve a visão àquele que olha.
É o lugar de onde se vê.
É tudo aquilo que vejo e que me vê.
Ainda que replicado, desautorizado,
Pela segunda vez gerado,
Reporta às ações do ver.

O desenho é manipulação.
O desenhista é manipulador.
O olhador é manipulador.
A imagem é manipulada e manipuladora.
A imagem sobreposta em camadas,
Acumulada na memória,
Apagada,
Ressurge espectral nas alvas paredes da caverna-museu.
Ampliada,
Revivida.

E o artista,
Sentado, observa
A imagem manipular.

No ato mesmo de desenhar,
A fome do papel devora o lápis.

Erótico,
Ato gozoso. Pincel e pênis.
Parte da mão. Calor do corpo.
Desejo calado,
No tecido tatuado como pele.
Do leite vital derramado na superfície,
Nascem figuras
Que vêem,
Ainda que sem olhos.

No ato mesmo de desenhar,
A fome do papel devora o lápis.

A angústia transpira pelos poros do tecido,
Do papel e do corpo.
O olho vê o vazio,
O preenche,
O povoa.

No ato mesmo de desenhar,
A fome do lápis devora o papel.

A fome do desenho devora o desenhista.

Divino Sobral
Maio de 2008.

Poema de Divino Sobral para a exposição individual de Fabiano Gonper na Galeria Baró Cruz, 2008.

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